Três da madrugada. A casa de repente ficou muito fria. Algo se aproximava perigosamente. Mas as luzes encontravam-se acesas, isso é algo bom, não é?
Não.
A criatura fazia piscar cada lâmpada, obrigando as sombras a engolirem qualquer luz que teimasse sobreviver.
O espelho na sala refletiu os chifres pontudos do ser que acabara de adentrar a casa, e sua forma alta e maligna. O próprio mal, o terror e a desgraça.
No andar de cima, um bebê sentiu a presença do ser e ficou quietinho ali. Parece que sabia que o melhor era fingir que não existia. Sua mãe repousava tranquila no quarto ao lado, vulnerável debaixo do cobertor azulado, sem desconfiar de nada.
Mas a criatura farejou o cheiro de criança e ajeitou a capa negra para subir as escadas sem fazer barulho. Conforme subia, as sombras o acompanhavam, inundando a tranquilidade de caos capaz de enlouquecer qualquer um. O cachorro da casa acordara, no entanto, tremia de medo em baixo do sofá, enquanto torcia para não ser percebido. Sabe como é. O instinto de sobrevivência extrema canta mais forte.
Ele chegou ao topo da escada, o cheiro de criança mais perto. As garras podres abriram a maçaneta do quarto infantil e o bebê ficou em pé no berço para ver quem era.
A criatura se aproximou, sorrindo com aqueles dentes pontudos e fantasmagóricos.
O bebê estendeu os braços e disse "Pa-Pai".
sábado, 13 de junho de 2015
Quem é?
domingo, 7 de junho de 2015
O Mar
O Mar era um homem alto, de barba por fazer que emoldurava seu rosto tempestuoso, cabelos negros, longos no meio das costas e constantemente úmidos que pareciam flutuar como se sempre estivesse debaixo d'água. Usava várias camadas de roupas por baixo de um sobretudo preto fechado e uma bota que escondia seus pés muito diminutos em relação ao resto do corpo.
Ele reinava nas profundezas da água, escondido dos olhares humanos e tentava a todo custo proteger as criaturas marinhas. Anos e anos assim, até que ele decidiu ser a hora de ter alguém que reconhecesse seus cuidados.
Dessa forma, subiu até a superfície e escolheu a família que conceberia seu herdeiro. O Mar iria acolher a criança com todo o carinho e dá-la dons especiais.
Nove meses depois, uma surpresa: era uma menina. Uma menina com os mesmos aspectos do senhor do mar, grande e saudável.
Ele a acompanhou de perto, pois frequentemente ficava sozinha. Deu a ela um irmão espiritual que serviria de escudeiro e melhor amigo.
A menina cresceu com os ensinamentos do pai, mas algo estava errado: ela tinha medo do mar. Amava a água, mas tinha medo de afundar.
Descobriram que ela tinha asas e assim não seria possível nadar, pois nascera para conquistar o céu. Esse seria seu grande legado.
E como todo pássaro que sai do ninho, ela deixou o dela para construir o próprio.
Eutanásia
Eu acordo todos os dias gritando para a morte me buscar. Imploro a Deus, porque já cansei de tentar me matar e não dar certo. Meus primeiros pensamentos do dia são voltados para o fim da minha existência. Eu não aguento.
Os dias passam se arrastando, sou um morto vivo. E se de repente alguém me disser "isso é egoísmo", digo que depois de um tempo nem frases escassas como essa me fazem repensar. Viver tornou-se um fardo tão doloroso que depressão agora é uma doença terminal.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Você colhe o que planta
Ben usava luvas de jardineiro marrons para plantar uma muda num buraco de terra circular. Seu sorriso não era sarcástico como na maioria das vezes e sim afetuoso.
- Você colhe o que planta. Esta, por exemplo, é uma espécie própria do que os encarnados chamam de submundo. Ela aprisiona almas do umbral e assim suas folhas são revestidas. Quanto maior o pavor e o desespero, mais forte a árvore ficará. Essa aqui que estou plantando é sua. É minha oferenda de proteção a ti, minha criança. Quando alguma entidade quiser lhe machucar, eu a prenderei na sua árvore.
Olhei para aquela muda aparentemente inofensiva, verde e de folhas ovaladas.
- Veja - ele apontou para as bordas das folhas. -, já está criando a essência.
Uma névoa negra circundava as bordas e sorri de volta.