Quando nasci minha mãe não me quis, fui deixada na floresta para morrer. Mas graças a Deus fui achada pelo meu pai.
Eu cresci vendo ele andando de um lado pro outro com seu terno elegante e sua alta estatura, eu nunca sabia o que ele estava sentindo, não conseguia decifrá-lo, mas fui me acostumando. Ele me ensinou tudo, a ler e a escrever, a cuidar dos animais que volta e meia eu achava ferido na mata, a vida do outro lado do bosque, tudo do essencial. A floresta tinha muitas árvores altas com galhos compridos e eu gostava de brincar ali, mas papai me falava para não ir à noite, existia a lenda de que seres armados até os dentes viriam para me pegar e eu nunca mais retornaria para casa.
Lembro que papai saía à noite dizendo que ia se alimentar daqueles seres armados que teimavam em adentrar nossa floresta, eles eram invasores. Eu me encolhia na cama e não sentia medo, sabia que nada me faria mal na nossa pequena cabana com meu pai à solta.
Lá pelos meus 6 anos comecei a me sentir solitária. Perguntei a ele se conhecia mais alguém como eu.
- Leslie, se quiser eu consigo alguns amiguinhos pra você. - acolheu-me com um de seus braços longos.
A verdade era que papai também andava muito solitário, apenas eu como companhia e nunca tinha o visto com uma mulher.
- Pai, por que você não se casa? - indaguei, enquanto sentávamos num tronco de árvore caído.
- Porque não há mulheres da minha espécie.
- Hm...
Papai também era cego, mas ele sentia tudo ao redor com seus tentáculos grandes, pretos e elásticos nos quais adorava me balançar quando eu era bebê. Ele disse que podia "ver" através deles, eu, como uma boa filha, me surpreendi e achei o máximo tal capacidade.
No dia seguinte, estava brincando do lado de fora da cabana e ouvi papai chegando. Levantei-me das folhas e percebi, com os olhinhos brilhando, uma garotinha desacordada nos tentáculos dele. Ela era da minha espécie e usava um vestido rosa e cheio de terra. Seus cabelos castanhos eram encaracolados, diferentes dos meus, loiros e lisos. Papai falou que não tardaria a ela acordar, então a coloquei em minha cama.
Fiquei ali, fitando seu rosto pálido, então percebi que também era da espécie dela, também era uma armada! Eu nunca senti-me tão semelhante a alguém, será que eu também sou um monstro e papai era o único normal?
Meus pensamentos foram interrompidos pelo despertar sacolejante da menina. Ela me viu e saiu da cama, parecia querer achar a saída. Eu me levantei e fui com um sorriso até ela, ela se assustou e me empurrou, parecia apavorada.
- QUEM É VOCÊ? EU PRECISO SAIR DAQUI! TEM UM MONSTRO À SOLTA!
Eu tinha batido a cabeça e doeu muito, lágrimas escapavam de meus olhos verdes e infantis.
Então papai apareceu enfurecido na porta, os tentáculos agitados. A garotinha gritou desesperada e ficou paralisada, ele havia a hipnotizado. Eu admirava os poderes do meu pai, mas nunca tinha os visto sendo usados.
A partir daquele momento, vi aquela garota desfalecer nos braços dele, e, bem, fiquei sem reação.
Após o acontecimento nos sentamos para conversar no tronco caído de sempre.
- Você é um deles, Leslie, mas é diferente, é minha filha. - disse ele, calmo. - Nunca deixe ninguém te machucar.
- Sim, papai. Você se alimenta dos armados?
- Chamam-se humanos. Não, eu não preciso me alimentar. Eu apenas os impeço de chegar perto e mato quem acho uma ameaça a você.
Eu o abracei e perguntei quando poderia sair da floresta para visitar o mundo humano e ele respondeu só quando eu completasse 15 anos.
Pelos próximos anos, papai sempre tentava me trazer amiguinhos, mas eles sempre me machucavam. Disse-me que os humanos o chamavam de "Homem Esguio" ou "Slender Man", eles o tratavam como um monstro, mas eles que eram os monstros, meu pai é a pessoa mais meiga e doce que já conheci e matava para proteger nossa floresta e consequentemente eu.
Mas até que um dia, aos meus 14 anos, um garoto lunático veio para a floresta por si só, parecia perdido. Ele usava grandes óculos quadrados e azuis, cabelos pretos e 12 anos. Trajava uma camisa verde, calça preta e tênis. Lembro que papai conseguia minhas roupas com as vítimas, ou as hipnotizava para comprar para nós. Eu encontrei o garotinho sentado num tronco caído, um pouquinho longe da cabana e parecia pensativo. Sentei-me com ele.
- Olá... - ajeitei meu vestido.
- Olá... - ele respondeu, um pouco surpreso.
- Eu... Eu moro por aqui... E você?
- Você mora aqui mesmo com as lendas do Slender Man? - arregalou os olhos.
- Sim... Na verdade nunca me machucou.
- Incrível... Bem, eu moro na cidade.
- Como é lá?
- É movimentado... Cheio de poluição. Por isso estou aqui, o ar é mais puro.
- Ah sim...
- Qual o seu nome, menininha?
- Leslie.
- Max.
Conversamos por um longo tempo e quando a noite caiu ele teve que ir embora, mas prometeu voltar no dia seguinte.
Cheguei em casa e papai pareceu feliz, ele devia ter me visto com Max. Eu o abracei e fui dormir.
***
No dia seguinte amarrei meu cabelo com uma fita que usava em ocasiões especiais, papai reclamava que eu mantinha meu cabelo na cara e não usava a fita para prendê-los, mas eu ria e não ligava para isso. Vesti meu vestido florido e soltinho e fui esperar Max no tronco.
Ele chegou meia hora depois com uma mochila amarela nas costas e uma boneca coreana nas mãos, ela parecia muito comigo.
- Pra você. - me deu a boneca. - Não disse que seu aniversário é amanhã?
- AH SIM! - peguei a boneca e sorri. - Agradeço, é linda. - ele sentou-se ao meu lado. - Eu quero que conheça o meu pai... - mordi o lábio inferior.
- S-Seu pai?
- Sim, se somos amigos... Na verdade, você é o primeiro amigo que tive.
- Nossa, você não deve sair muito mesmo daqui... Mas então ok. Onde ele está?
- Ele deve estar em casa agora.
- Leve-me até lá.
Assenti com a cabeça e o guiei até a cabana. Por causa do barulho dos nossos passos, papai teria nos ouvido.
Encontrei-o cortando madeira ao longe, precisávamos de lenha para a lareira quando fica muito frio.
- Vamos sair daqui o mais rápido possível! - disse Max, desesperado e pálido, mas falando minunciosamente baixo.
- Por quê? - sussurrei.
- É o Slender Man!
- É o meu pai!
Então ele arregalou os olhos, assustado.
- C-Como?
- Ele me adotou, fui abandonada nesta floresta quando era bebê. Vamos, ele não vai te fazer mal.
Max tomou coragem e prosseguiu comigo.
- PAI! - falei alto para ele escutar o chamado. Ele se virou.
Max ainda estava pálido.
- Oi, filha... Quem é o seu amigo? - voltou a cabeça para o menino ao meu lado.
- Esse é o Max. Max, esse é o meu pai.
- Olá, Max.
- O-Olá... Pai da Leslie... - relaxou um pouco.
***
Max tinha ido embora devido ao horário, mas pelo menos ele soube o que o "temido Slender Man" não era tão "temível" assim.
No dia seguinte eu iria conhecer a cidade com Max, já que faria 15 anos. Papai mandou eu ter cuidado, que não conversasse com estranhos -todos- e que voltasse cedo.
Eu estava animada e logo fui dormir para o tempo passar rápido.
***
Fui sacudida por papai, ele havia preparado um bolo de morango -meu favorito- para mim, que estava sobre a mesa da cozinha. Bati palmas e o abracei, ele me desejou feliz aniversário.
Na verdade, minha felicidade estava completa: já tinha um amigo e um pai presente, mais do que qualquer coisa que eu poderia querer, visto que não tinha muitas ambições.
Max chegou mais cedo, sorridente. Parecia eufórico para mostrar cada canto de onde morava.
Papai parecia meio triste, devia ser pela sua garotinha estar crescendo, mas seus tentáculos estavam abaixados, meio que depressivos. Era como qualquer outro pai que amava sua filha estaria se sentindo no momento. Dei um último abraço nele e fui para a saída da floresta com Max. Ajeitei meu vestido, nervosa, seria minha primeira vez longe de casa.
Fui olhando para o chão, logo avistei o asfalto negro e interessante ao meu ver. Levantei a cabeça e vi prédios descascados, afinal, a cidade em que morávamos não era grande, era pacata, antiga. Logo mais humanos começaram a aparecer, andando sobre as calçadas até a esquina e um pequeno carro atravessou para podermos ir até o outro lado. Max me levou até uma loja de bonecas que pertencia a sua avó, uma senhora de 60 anos, de acordo com ele.
A loja era linda, tinha cheiro de morango e era repleta de prateleiras cheias de bonequinhas de pano, plástico e etc. Eu me encantei com tudo aquilo, provavelmente meus olhos estariam brilhando no momento.
A avó de Max veio me trazendo com um sorriso, uma boneca quase do meu tamanho. Tinha uma pele pálida, lábios rosados, olhos verdes e cabelos loiros e macios, era eu! Agradeci e visitei o segundo andar da loja, passamos o dia ali.
***
Voltei para casa acompanhada de Max, apesar da hora -estava quase de noite-, ele gostou de ter me levado para conhecer a cidade.
Papai já estava na mesma posição que fazia quando me esperava chegar: sentado na poltrona "olhando" para o nada. Sentei em seu colo e lhe mostrei minha boneca nova.
- Linda, Leslie... - disse ele, sonolento.
- Você é um ótimo pai... Só que ninguém te entende. - sorri.